Sento-me no passeio, à beira do Tejo, em plena baixa lisboeta. Deixo transparecer um ligeiro sorriso ao lembrar que, um dia, já me sentei na calçada.
Um dia já falei no celular… um dia já tratei por você… um dia já vesti terno e um dia, até mesmo, já achei samba ruim.
Mas alguém já disse que se mudam os tempos e que se mudam as vontades. Posso acrescentar, que se mudam até os países, as pátrias e as nações.
Não estou bêbado, apenas ligeiramente alto. O suficiente para ignorar o frio das madrugadas de Dezembro… o suficiente para aproveitar a suja calmaria da ondulação do rio… o suficiente para pensar.
Alguém me pede um cigarro e eu, instintivamente, estendo a mão ao bolso para encontrá-lo vazio. Já não fumo, digo. Curiosamente nem mesmo sinto vontade de fumar.
O cheiro à tabaco do homem… Eu já cheirei assim? Claro que já cheirei assim. Bate uma vergonha de pensar que já cheirei assim.
O que mais já fiz de que me sinto envergonhado? Tanta coisa. Tanta coisa! Tanta coisa…
Quase sinto vontade de fumar um cigarro. Só um cigarro… mas eu sei que as coisas não funcionam desse modo. As prisões que nos prendem são sempre aquelas em que nos deixamos prender.
Talvez esteja a ficar velho porque hoje percebo que a verdadeira liberdade não é poder abrir qualquer porta. Muito pelo contrário, a verdadeira liberdade é compreender que há lugares que não merecem sequer ser visitados.
Mas nós visitamos.
Visitamos porque queremos mostrar que podemos. Porque somos estúpidos… Porque achamos que talvez, que eventualmente… Nem sei porque visitamos, só sei que visitamos… e que não saímos. Pelo menos não facilmente.
Toca o telemóvel. Onde é que estás? Que que estás a fazer aí? Vem pra cá! Em quinze minutos no O’Gilins. Estou sozinho. Nem tinha percebido que estava sozinho. Como é que me perdi dos meus amigos? Nós estávamos… Onde é que nós estávamos mesmo?
Não estou bêbado, apenas ligeiramente alto. O suficiente para ignorar o frio das madrugadas de Dezembro… Não, a sério! Não estou bêbado. É só que… É só que não é importante onde estávamos.
Que diferença faria se estávamos no Jamaica, na Pensão Amor ou no bar do Zé? E se estivéssemos na Padaria Portuguesa ou nalguma tasca? Que diferença faria? Que diferença faz? Os mesmos lugares. As mesmas pessoas. As mesmas bebidas. Os mesmos e as mesmas e, o que me deixa mais irritado, o mesmo… O mesmo.
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades… Mudam-se até os países, as pátrias e as nações… Mas eu continuo o mesmo.
Não faz diferença. Trabalhar, não trabalhar. Estudar, não estudar. É tudo vão. É tudo vaidade. Como mais ou com menos dinheiro, são tudo portas pelas quais decidimos entrar e pelas quais nos deixamos prender.
E as mentiras que contamos e as farsas que encenamos só se aguentam até o dia em que nos achamos aqui, sentados no passeio, à beira do Tejo, a tentar ignorar o frio das madrugadas de Dezembro, a tentar aproveitar a calma suja da ondulação do rio, e a tentar não pensar.
A tentar não pensar que essa estória que se encena no meu palco não é a história da minha vida, ainda que digam que é baseada em factos reais, retirados da realidade do Instagram.
Olho para o telemóvel. Os quinze minutos já se fazem vinte. Levanto-me sem vontade e paro num quiosque para um Red Bull com vodca. São cinco minutos até o O’Gilins, quatro ou cinco horas até o fim da noite e umas quantas décadas mais até o fim da estória.