Hoje em dia é preciso ser tatu. Avestruz não basta. Já foi tempo em que era suficiente estar com a cabeça na areia, fingir que não via. Hoje é de corpo inteiro, proteção total, buraco fundo. Nunca se sabe de onde vem o perigo.
Hoje em dia somos muito evoluídos, tão evoluídos que não sabemos mais nada: achamos! E achar é mais do que suficiente. Para quê factos? Para quê ciência? Para quê biologia? Somos pós-modernos, existimos numa bolha de pós-verdade onde a verdade é a minha, é a tua e é a de toda a gente.
Na verdade, mentir é discordar.
Não basta olhar para o lado, fingir que concorda, ignorar um ou dois factos. É preciso estar comprometido com a estupidez alheia. «É a verdade dela.» Como dizia um grande sábio tropicalista: “somos uns boçais”. E digo mais, somos prisioneiros da balela absurda de que todas as crenças são igualmente boas e merecem ser respeitadas.
Somos todos tatus autoaprisionados nas covas que nós próprios cavamos.
Postamos com l3tr@s no f@c3b00k e no 1nt@gr@m para não sermos censurados, cancelados, e achamos normal, ótimo mesmo. É preciso calar os fascistas… os racistas… os homofóbicos… o patriarcado… os negacionistas… os eleitores de extrema-direita… enfim, meter na areia aqueles que não querem ser tatu, que não alinham na narrativa, vestem a camisola ou acreditam na estória.
Só que não há mais verdade. Há a minha verdade, a tua verdade. Tudo é verdade. Num belo dia, uma verdade pode – e irá – tornar-se a mentira do outro.
Quando esse dia chegar, só mesmo virando tatu, entrando no buraco, porque o cancelamento é certo. Não adiantam factos nem argumentos. É a tua verdade, lembras? E a tua verdade só vale enquanto for a verdade de todos, tão inócua que o padre e a prostituta se sintam bem à vontade em partilha-la. Um desejo de “paz na Terra” que sai da boca da miss.
Como dizia um grande sábio judeu, “ama o teu próximo como a ti mesmo”. E digo mais, ele estava errado! Somos pós-modernos o suficiente para saber que o certo é “ama o teu próximo e anula-te a ti mesmo”. Que maravilha é aderir a uma ideologia e sentir-se acolhido pelos braços amorosos da ignorância!
Retrair-se… calar-se… emparedar-se… ser tatu. Do sonho de voar que um dia nossos pais tiveram, resta-nos apenas o de ser avestruz, de poder colocar apenas cabeça na areia e sentir na pele um pouco da brisa livre que corre pelo fim da tarde.