Outro dia um colega — feminista ferrenho — perguntou-me qualquer coisa como «mas tu não achas que temos que ajudar as mulheres na sua luta pelo empoderamento contra o patriarcado?»
— Mas eu sou o patriarcado… — Respondi.
Ele parou um momento para perceber se estava a brincar, depois disse-me que eu não era de todo o patriarcado.
— Sou branco; hétero; defendo a família tradicional; sou tão antifeminista quanto antimachista; discordo radicalmente da ideologia de género; enfim, sou tudo aquilo que as feministas dizem ser o patriarcado.
Mais silêncio.
Conseguia ver o seu cérebro a trabalhar, tentando vestir-me com a pele de inimigo mortal de todas as mulheres — o que não sou — até finalmente chegar a conclusão de que eu só podia estar maluco. Achei interessante ele não ter parado para pensar se o problema não era o excesso de preconceito no seu conceito de patriarca.
Os rótulos são maravilhosos.
É uma delícia virar escritor de banda desenhada e dividir todos em bons e maus. O mundo fica tão simples quando o nosso inimigo é o Racista Branco, o Chicoteador Homofóbico ou o Misógino de Fogo. Só que a simplicidade só funciona na ficção.
Num exemplo brasileiro, dá menos trabalho assumir que todos são racistas, do que questionar porque é que os pobres frequentam escolas de péssima qualidade, que impedem o elevador social e que perpetuam a miséria, fomentando o crime e a repressão; e o impacto que o facto de muitos pobres serem negros tem sobre o racismo. E é muito mais fácil criar quotas para minorias do que investir nos alunos que precisam.
Creio ser óbvio que pouquíssimos governos investem a sério na educação e nas estruturas de base.
Educação é coisa de estadista, não de político. Os investimentos mais importantes só serão percebidos décadas depois, com muito pouco “ganho político” e visibilidade. Mais vale construir rotundas, dar bónus de dez euros aos aposentados ou fazer algum outro imediatismo qualquer. Além do mais, cidadãos cultos têm a tendência a pensar e a questionar, ao invés de abaixar a cabeça.
O mundo está repleto de simulacros, de pseudoconceitos que todos creem dominar na perfeição, mas que não passam de lugares-comuns.
O absurdo é esses mesmos clichés ditarem quem se deve amado, odiado e “cancelado”… e há uma relação clara entre a falta de força dos estereótipos demonizadores e das ideologias utópicas, e o ataque brutal à liberdade de expressão dos nossos dias.
A verdade é que a maioria das certezas cairia se fossem provadas pelo mesmo crivo usado para avaliar aquilo com que se discorda. E isto é tão perigoso…
Num mundo sem certezas nem absolutos, em que todos estão desesperados por algo que dê sentido à vida, o que aconteceria se as pessoas chegassem à conclusão de que, naquilo que procuram, não há nenhum?