Outro dia um amigo perguntou-me se já ouvi a voz de Deus.
Já!
Já ouvi a voz de Deus tantas vezes, de tantas maneiras diferentes…
Algumas vezes, a sua voz foi como um tsunami que chegou destruindo tudo e que mudou a minha vida por completo. Outras, foi como um sussurro suave, cujo efeito só se fez sentir décadas depois.
É estranho ouvir pessoas dizerem que Deus não existe… A verdade é que é complicado, para mim, admitir que há gente por aí que nunca ouviu a voz de Deus. E digo isto porque ninguém, mas ninguém mesmo, ouve a voz de Deus e continua a questionar-se se ele existe.
E como é que ele fala? Alguém pode perguntar.
Como ele quiser.
A única coisa que sei sobre a voz de Deus é que, quando alguém a escuta, sabe que é Deus quem está a falar.
Eu estava em frente a um veterinário, da última vez que ouvi a sua voz.
Tinha ido a Aveiro com a minha família passar um feriado, fui ao multibanco levantar dinheiro, e as minhas filhas perguntaram-me se podiam ir conhecer o cemitério.
Achei estranho o pedido, mas pronto. Claro que podem.
Dez minutos depois, estava a beber um café quando o telemóvel toca. Pai, tem um gatinho preso numa das portas do cemitério e ele vai morrer.
Corri até lá. O gatinho não devia ter nem um mês de vida, tinha sido abandonado pela mãe e estava preso dentro de um mausoléu. Até hoje não faço ideia como elas descobriram-no, já que era quase impossível vê-lo do lado de fora.
Magoei-me todo ao tentar tirá-lo de lá e, quando finalmente consegui, o pobre do animal estava uma lástima.
O olho esquerdo estava coberto de pus. Parecia-me que tinha sido vazado. Era pele e osso. Nem mesmo conseguia miar. Olhei para ele e o meu primeiro impulso foi deixá-lo lá e dizer que já tinha feito a minha parte, mas virei-me para as minhas filhas e não tive coragem.
Corri para o veterinário. Como era feriado, não era suposto haver ninguém, mas, por alguma coincidência inexplicável — eu não acredito em coincidências, já agora. — a dona estava lá e concordou em atender-me.
Como estávamos atrasados para um passeio, fiquei ali sozinho com o gato enquanto o resto da trupe foi aproveitar. Tinha sido tudo pago com antecedência e não faria nenhuma diferença estarmos todos ali à espera.
Enquanto esperava, confesso que comecei a sentir algo muito forte por aquela bola de pelos. Olhei para aquele olho vazado, completamente tomado pelo pus, e decidi que iria fazer o que eu pudesse para tentar salvá-la.
Aninhei o gatinho no meu braço, já que o dia estava muito ventoso, e cobri-o com a minha camisola. E foi naquele exato momento que Deus falou comigo.
Lembro exatamente das palavras. — Tu estavas assim, quando eu te salvei.
O curioso é que fazia dias que eu estava com um problema pessoal complicado… E fazia dias que andava ansioso por ouvir a voz de Deus… E aquelas palavras foram exatamente o que eu precisava ouvir, na hora em que eu precisava ouvir.
Fico aqui a pensar que, talvez, eu tenha saído de Lisboa, e as minhas filhas tenham entrado naquele cemitério, só para que eu ouvisse aquilo que Deus tinha para me dizer.
Mas ainda que nada disso tenha acontecido só para que ele falasse, é como eu disse, quem ouve a sua voz sabe muito bem quem foi que falou.
O meu maior desejo é que todos pudessem ouvir também esta voz… E é uma pena que haja gente por aí que nunca a tenha ouvido, porque Deus está tão próximo.