No quinto andar do IPO há um corredor.
Neste corredor há diversas marcas, pintadas a cada três metros.
Entras nele pelo metro 32. Não sei bem porque é assim. Apenas é.
Metem-se num quarto ali pelo meio e dão-te um diagnóstico.
Pode ser bom, por ser muito mau,
Podes até nem saber qual é.
Vestem-te com uma bata branca, furam-te com cateteres,
Levam-te para o bloco operatório.
Quando voltas não te reconheces no espelho.
Ficas deprimido, pensas que vais morrer,
E é nesse momento que ela aparece, a enfermeira a tentar animar-te.
— Não precisas ficar o dia todo deitado. Vai dar umas voltas pelo corredor.
Tu não queres, ela insiste.
Até tentas, mas não consegues respirar bem. Mal chegas ao segundo marco.
Giras para o lado da cama.
Outros doentes passam pela porta do teu quarto.
Vira-lhes a cara enquanto te cobres com o lençol.
Tubos entram-lhes por orifícios impossíveis.
Dentes estão em posições que não fazem sentido.
Alguns nem mesmo têm rosto.
Não queres ver. Queres apenas ficar na cama, a pensar.
— Não precisas ficar o dia todo deitado. Vai dar umas voltas pelo corredor.
Tu sais e olhas para as paredes, fingindo não ver ninguém.
Disfarças, olhando para o lado, como se não percebessem.
Voltas para a cama.
O teu colega chama-te. Está deprimido e tu também.
Ele pega o telemóvel e mostra-te a neta.
É bonita. Mostra também a foto da nora.
— Morreu ano passado. Só tinha 23 anos.
Tu paras, sem saber o que responder.
Ele diz que tem cancro, mas que não pode ser operado.
— Diabetes.
Do outro lado do quarto alguém não pode comer.
Tem um tudo por onde lhe enfiam uma papa misturada com leite.
— Não precisas ficar o dia todo deitado. Vai dar umas voltas pelo corredor.
Ainda não consegues olhar para os rostos das pessoas.
A verdade é que elas são o espelho daquilo que tu próprio és.
Estás no marco zero, no fim do corredor.
Olhas pra trás. Pessoas vão, pessoas vem.
De repente os rostos deformados fazem-te sentir mais bonito,
Quase um homem de sorte.
Comes comida de hospital, mas comes.
Começas a voltar para o teu quarto.
Zero, três, seis…
Perguntas como está a glicose do teu colega.
— Está linda, semana que vem já posso operar.
Ficas feliz, o que até pouco tempo parecia impossível.
Quando dás por ti, estás de volta ao marco 32.
Estás a ir embora.
Olhas pra frente e sais.
Pessoas entram e viram os rostos discretamente, como se não percebesses.
Mas no quinto andar do IPO há um corredor.
Não sei bem porque é assim. Apenas é.