Trancado a sete chaves, com trinco e porta de segurança. O meu smartphone é o que me conecta a este mundo massacrado pela peste negra que se chama COVID.
Vivo num burgo assolado pela doença, escondido atrás de grossas portas incrustadas em largas muralhas medievais, assolado pelo medo fomentado diariamente pelos jornais e pelas redes sociais.
Já não saio para jantar fora, já não abraço e nem beijo. Mantenho uma saudável distância física que, até há bem pouco tempo, queriam que fosse social. E que, de facto, o é.
O preservativo que aprendi a usar na cama, nos meus momentos mais íntimos, passou também a cobrir o meu nariz e a minha boca. Não troco fluídos e ou aerossóis. Nem mesmo o suor de uma partida de futebol é permitido.
Não viajo em transportes públicos e evito fazê-lo nos privados. Até o motorista de um táxi me deixa em pânico. Caminho sempre com medo do outro, seja ele quem for.
Nem a minha casa é segura. Os meus filhos podem ter sido infetados na escola; a minha mulher, no trabalho. Eu próprio posso ser um assintomático, com a máscara da morte vermelha a tapar-me o rosto.
Olho da minha janela indiscreta e só vejo cadeados que escondem o desespero daqueles que já perderam a fé, em busca de uma proteção que sabem não haver.
Alguém me disse que o que as pessoas mais precisam é de esperança, mas esperança em quê? Depois que a doença for embora chegará o desemprego, e o desespero que agora é apenas expectante tornar-se-á realidade.
Fome, dor, pobreza e desigualdade, tudo temperado com falta de democracia, censura e muito menos liberdade de expressão. Como o poeta cantava, este é o nosso mundo e o que é demais nunca é o bastante.
No meio desta tragédia, quero trazer à memória o que me pode dar esperança. As misericórdias do Senhor são a causa de não sermos consumidos, porque as suas misericórdias não têm fim, e renovam-se cada manhã.