Trump venceu — ou, quase de certeza, venceu. A esta hora, ainda faltam algumas urnas para serem contadas.
Custa-me admitir que fiquei feliz com isso; não simpatizo de todo com Kamala Harris, mas gosto ainda menos de ter gostado da vitória de Trump. Sou um moderado de centro-esquerda e, de repente, vi-me empurrado para o extremo de uma direita que odeio.
Nesse turbilhão, os ideais em que acredito — um Estado Social que proteja os mais fracos, que regule os excessos do capitalismo e do socialismo — acabaram soterrados sob um cenário de extremos. De um lado, as ideologias marxistas — identitarismos, sexismos, preconceitos e racismos — surgem disfarçados de direitos humanos e justiça social. Do outro, assiste-se ao ressurgimento de um conservadorismo radical, que promove o medo, limita direitos individuais e defende um nacionalismo que se fecha ao mundo.
Tenho saudade dos tempos em que a discussão política situava-se essencialmente no eixo económico.
Com isso, hoje, é, pelo menos, a quarta vez que a eleição Trump vs Kamala se repete: Bolsonaro e Lula no Brasil; Chega e o resto em Portugal; Jordan Bardella e o resto em França; e, claro, Donald Trump e Kamala Harris nos EUA. Em cada uma dessas eleições, é como se o próprio Satanás tivesse descido à Terra, pronto para destruir o mundo, a menos que o seu oponente, o messias redentor, vencesse.
É claro que, dependendo da visão política de cada um, quem é o diabo e quem é o messias, pode variar.
Isso entristece-me — não pelas eleições em si, mas pela certeza inabalável de que o novo normal passa pela incapacidade de pensar e de ter opinião própria. Tudo se resume a extremos, a “tudo ou nada”. Já perdi o direito de ter opiniões moderadas, de ver boas ideias de um lado e do outro.
Mais ainda, percebo que os próprios eleitores rejeitam o meio-termo e preferem uma posição absoluta, onde qualquer discordância faz do outro um “ófobo” a ser queimado na fogueira da inquisição.
Eu tinha uma vaga ideia de que a democracia era o sistema político dos consensos, em que as divisões de um povo se traduziam em votos e, idealmente, resultavam em assembleias que navegavam em águas acessíveis à maioria.
Vivemos tão carentes de sentido que as nossas verdades se tornaram absolutas — ainda que antagónicas — e todas obrigam não só a respeito, mas a defesa entusiástica. Não posso mais dizer que ninguém está errado; e ouvir que se está errado é hoje uma das maiores ofensas, microagressões que só podem ser reparadas com o apedrejamento.
Quando as coisas são colocadas neste nível, resta pouco a fazer.
A cada eleição, percebo que, mais e mais, deixarei de ficar triste porque um Trump venceu, contentando-me apenas porque uma Kamala perdeu, ou vice-versa. E isso é verdadeiramente desolador.