O que habita em mim é negro, é mau, é feio e é cruel.
O que habita em mim é cáustico, é sarcástico e se ri quando alguém diz
“Olha como ele é uma boa pessoa”.
Ah, se soubessem o que vai no meu coração, no que habita em mim.
Ah, se soubessem no que estou a pensar quando digo bom dia, boa tarde, boa noite.
O que diriam de mim se pudesse ir para onde eu vou quando vou nos meus devaneios?
O que dirão de mim quando lerem estas palavras?
Será que acreditarão no negrume que assombra o meu íntimo e que se esconde na penumbra da porta que se abre?
Ou será que isto tudo não passa de licença poética?
Serei relegado a num número esquecido numa lista de contactos?
Serei ainda convidado para um copo?
Será que me importo com o que serei?
Será que me importo com o que sou?
O que habita em mim é egoísta e é arrogante, e o pior…
O que habita em mim é o que realmente é.
Carne, espírito, trevas, luz, preto, branco, salgado, doce.
O que habita em mim é uma dicotomia entre o que habita em mim e o que eu quero que habite.
O que mostro e o que não posso mostrar; a face e a máscara.
Uma mentira totalmente verdadeira,
um esforço para mostrar aquilo que quero ser, o que quero que habite em mim.
É o meu fado ser habitado pelo que é negro, pelo que é mau, pelo que é feio e pelo que é cruel.
É o meu fado ser habitado pelo que é luz, pelo que é bom, pelo que é lindo e pelo que é amor.
E nesta vida hipócrita do que habita e do que eu quero que habite, caminho.
E pelo caminho, o que não habita já fez morada e o que habita está de saída.