Durante muito tempo a palavra “obrigado” saiu da minha boca de forma automática, sempre a espera de ser contraposta com um “de nada“, mas um dia parece que a ficha caiu e percebi que obrigado significava obrigado.
Obrigado não é um “valeu“. Não é um aceno com a mão. Nem mesmo é um “muito grato“. Obrigado tem a característica única de nos obrigar a pagar o favor que nos foi concedido.
Não é assim em todo o lado. Gracias é apenas o reconhecimento de uma graça. Thanks vem de pensar, pensaremos bem sobre que tu fizeste por nós. Merci, teve origem no preço que se cobrava por algo.
Agora, para a língua portuguesa não é suficiente admitir que um favor teve um custo, nem se sentir agradecido por ele. É preciso pagá-lo ou, pelo menos, estar disposto a pagá-lo se tal for necessário.
E é por isso que respondemos “de nada” quando alguém nos diz “obrigado“. Reduzimos o peso dessa obrigação a nada. Obrigado… a nada.
Cada dia mais me convenço que deveríamos abolir o “de nada” do nosso modo de falar e a nos obrigar, mutua e diariamente, por cada favor que concedêssemos e que nos fosse concedido.
Porque essa falta de retorno tem mudado nossa concepção de ser grato, e parece que passamos a ter a ideia de que o outro tem a obrigação de nos fazer um favor, e isso não é verdade. A própria língua mostra isso. Na realidade, a obrigação é retribuir quando alguém fizer um favor.
Enquanto não compreendermos o verdadeiro sentido da palavra obrigado, vamos passar o resto dos nossos dias frustrados e ressentidos com os outros. Estar obrigado muda o nosso foco para o que nós fazemos, não para o que os outros fazem.
Se nos ajudarem, ótimo! Estamos obrigados a retribuir. Se não nos ajudarem, fazer o quê? Eles não eram obrigados a tal. A essa postura chama-se contentamento.
O que me deixa mais triste é que esse modo deturpado de ver a vida se tem feito sentir até mesmo dentro da igreja:
- Ficamos frustrados por serem sempre os mesmos que se envolvem com a obra de Deus enquanto a grande maioria não passa de “Crentes SSS“: salvos, sentados e satisfeitos;
- Ficamos irritados por tão pouca gente aparecer nos eventos, nos pequenos grupos e nas reuniões do meio de semana; por tão poucos quererem compromisso;
- Ficamos chateados por vermos que nossas ideias quase nunca são reconhecidas pelos outros, que acham que não fazemos mais do que nossa obrigação em estarmos sempre disponíveis para tudo o que for preciso.
Pois pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie. Efésios 2:8
Somos salvos pela graça, que é o favor supremo, e estamos obrigados a retribuir esse favor. Claro que nunca conseguiremos fazê-lo, nem Deus espera que o façamos, mas eu nunca encontrei na bíblia, nem uma única vez, Deus dizer um “de nada“. Pelo contrário!
Pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas. Efésios 2:9
Deus não nos desobrigou de tentar retribuir a graça da salvação. Antes mesmo de nos dar a salvação, Deus já havia preparado aquilo que haveríamos de fazer nessa nossa fraca tentativa de retribuição.
Quando não nos envolvemos com a obra de Deus, não estamos só a sermos relapsos, estamos a ser ingratos. Estamos a ignorar o real sentido do obrigado.
E se mais ninguém fizer, e se formos sempre nós, ao invés de reclamar só temos que nos lembrar daquilo que Cristo disse:
Porventura, terá de agradecer ao servo porque este fez o que lhe havia ordenado? Assim também vós, depois de haverdes feito tudo quanto vos foi ordenado, dizei: somos servos inúteis, porque fizemos apenas o que devíamos fazer. Lucas 17: 9-10
Isso mesmo, não somos melhores do que aqueles que não fazem. Somos apenas servos inúteis que só fazemos o que devíamos fazer.
Deus não é obrigado a nos ajudar, ainda que ele o faça. Os outros não são obrigados a nos ajudar, ainda que alguns o façam. Mas nós sim… Nós somos obrigados.