Era uma vez um rei que era um péssimo governante. Ao contrário de certos governantes que são amados por alguns, esse era mesmo odiado por todos.
O ódio era tanto que ele nem mesmo podia sair à rua sem levar consigo um destacamento dos seus mais fieis guerreiros, prontos para matar quem ousasse aproximar-se demasiado.
Em outros tempos, estes audaciosos guarda-costas matavam quem falasse mal do seu suserano, mas chegou-se à conclusão de que os cães ladram e a caravana passa. O que é o mesmo que dizer que o reino mais rapidamente ficaria sem ninguém vivo, do que as pessoas parariam de maldizer o rei.
E sempre que o rei saía, fazia-se ouvir o coro. Morra! Que um jumento caia em cima da sua cabeça, sua majestade. Seja para sempre estéril tudo o que existir no seu real escroto.
O pior de tudo é que, não havendo telemóveis nem Spotify, o soberano era obrigado a ouvir tudo o que o povo dizia. Ele bem que tentava abstrair, mas era impossível.
Um belo dia, enquanto os ouvidos reais eram assolados por aquela miríade de agradabilíssimos insultos, eis que uma voz destacou-se. Longa vida ao rei! Viva para sempre, ó digníssimo soberano!
Ele olhou pela janela e viu uma senhora, já com muita idade, que gritava de uma forma que não parecia condizer com a falta de dentes que se fazia notar na sua boca. O rei ficou tão impressionado que mandou chamá-la ao palácio.
— Minha senhora, a paz esteja convosco. Muito me aprouve ouví-la desejar-me o bem enquanto todos os outros faziam exatamente o contrário, de maneira que me pergunto. Porquê?
— Ah, meu rei, eu sou muito velha, muito mais velha do que qualquer outro habitante do reino.
— Isso eu posso ver com clareza. Sois mesmo muito idosa.
— Pois, meu rei, e isso quer dizer que conheci o seu avô, que foi um péssimo governante. Como toda a boa cidadã, gritei pela sua morte e, efetivamente ele morreu. E aí veio o seu pai. Se o seu avô foi muito mau, o seu pai foi… — Como direi? — excrementoso.
— Nunca tinha ouvida esta palavra antes.
— Nós, o povo, também não. Tivemos que ir ao dicionário para perceber como definir melhor o vosso pai. De qualquer maneira, gritamos para que ele morresse e ele acabou por vir a falecer… E aí veio vossa majestade.
— E?
— E a vossa majestade, com a devida licença, é ainda muito mais excrementoso do que o vosso pai alguma vez foi. E eu juraria de pés juntos que tal era impossível.
— Uhn… Então não estou a perceber. Porque gritar longa vida ao rei?
— Por que, se vossa excelência morrer, eu tenho muito medo daquilo que virá pela frente.
Moral da estória: não há. Mas esta lenda vem-me à mente todas as vezes que ouço os meus compatriotas brasileiros conversarem sobre o Bolsonaro, o Lula da Silva, a Dilma Rousseff, o Fernando Henrique Cardoso, e assim por diante.