— Um café expresso, por favor. — Peço ao garçom e pergunto à distinta senhora sentada à minha frente se quer algo para beber.
— Não, obrigada. — Ela responde, tirando um cigarro eletrônico da bolsa.
— Ok, então vamos ao que interessa. O meu livro é sobre uma mãe que entra em depressão após a morte do seu marido e decide se jogar da ponte Rio-Niterói com o filho pequeno ao colo.
— Pois, infelizmente não gostei e não será possível publicá-lo.
— Mas você nem mesmo leu o livro!
— Você tem noção de quantos pseudo-escritores mandam manuscritos para análise editorial? Acha mesmo que tenho tempo para ler tudo o que me enviam?
— E como é que você decide o que vai publicar?
— Você está a assumir que eu publico alguma coisa… Como o mercado editorial como está atualmente, é uma grande assunção.
— Certo… Mas assumindo que você publica, como é que decide o que publicar?
— Normalmente leio a sinopse.
— Mas acabei de dizer a minha sinopse.
— E ela é péssima, sorry…
— Péssima! Porquê?
— Bem, a personagem principal é uma mulher, o que é bom… Mas está apaixonada por um homem. Por um homem! Tão dèmodé. Hoje em dia ninguém mais quer ler nada que envolva personagens que sejam heterossexuais. Ela é branca, já agora? Porque não há nada mais cliché do que um livro com um personagem principal branco.
— Mas então os brancos não podem mais ser personagens principais?
— A não ser que tenham sérios distúrbios de personalidade, ou que tenham o corpo todo tatuado, ou que gostem de ser espancados em sessões de sexo sadomasoquista, não.
— Ok, mas ela é uma mãe com um filho. Ainda não inventaram maneiras de fazer filhos sem sexo hétero, não é verdade?
— Ela pode ter adotado uma criança cambojana. Funcionou com a Madonna. Ou pode fazer como o Cristiano Ronaldo e ter contratado uma barriga de aluguel. Ou, melhor ainda, ela pode ter sido estuprada por um grupo de homens brancos e pedófilos durante uma secção de sadomasoquismo num país retrógrado que ainda nega às mulheres o direito ao aborto.
— Mas pedófilos só gostam de crianças e ela é uma mulher.
— Detalhes, meu caro. Detalhes… Você tá a perceber porque é que eu não me dou ao trabalho de ler manuscritos? Imagina se eu fosse ler os textos de um escritor que nem mesmo sabe o que significa “suspensão da descrença”.
— Eu sei o que é suspensão da descrença.
— Claro que sabe… Deixa eu avinhar, vai aparecer um Deus Ex Machina qualquer e salvá-la no último momento?
— Não! Ela perde a criança, é presa por alguns anos e acaba por reencontrar-se consigo mesma com a ajuda de um grupo de sobreviventes de tentativas de suicídio, organizado por um rabino piedoso.
— Um rabino… judeu?
— Há rabinos que não sejam judeus?
— Você tem certeza de que quer fazer com que uma das personagens mais importantes do livro seja um judeu, um povo opressor e responsável pela crise no oriente médio?
— Os judeus não são opressores. Pelo contrário, têm sido perseguidos por todos, desde o Império Romano até Hitler. E todo mundo sabe que a crise do oriente médio tem a ver com o aumento da necessidade de energia por causa da mudança do eixo econômico do Atlântico para o Oceano Pacífico.
— Você escreve assim de forma tão chata no teu livro? Porque isso foi tão entediante que já tinha perdido o interesse ali pelo Império Romano.
— Ok, vamos assumir que reescrevo o livro todo de acordo com as suas sugestões. Seja sincera agora. Há alguma possibilidade de eu ser publicado?
— Deixa eu ver… Você é um youtuber famoso?
— Não.
— Já teve algum caso com a Bruna Marquezine?
— Não.
— E você já cometeu algum crime hediondo?
— Já fumei um baseado…
— Eu nem sei se fumar maconha é crime… Se for tô ferrada. Além do mais, tem que ser um crime a sério, que interesse às pessoas, tipo matar a sua família inteira ou esquartejar alguém em plena luz do dia com um machado.
— Machados são difíceis de usar. Não poderia ser com uma serra elétrica?
— Isso! Você tá a perceber porque é que ouvir um editor faz toda a diferença? Uma serra elétrica ficaria perfeita nas manchetes do Jornal Extra.
— Ótimo! Porque, só por acaso, eu tenho uma serra elétrica aqui comigo. Você é alguém e estamos em plena luz do dia…
— Como assim? Ei, espera. Espera!
Romance do Assassino da Motosserra lançado na Bienal do Livro do Rio
Esta sexta-feira, na Bienal do Livro do Rio de Janeiro, será lançado o novo romance de Ricardo Silva, mais conhecido como o assassino da serra elétrica, por ter alegadamente esquartejado sua editora numa lanchonete hippister do centro da cidade.
O livro conta a estória de Dalva, uma albina negra, de gênero não binário e com o corpo coberto por tatuagens, que resolve vingar-se de um grupo de judeus pedófilos, praticantes de sexo sadomasoquista, que a espancaram após uma discussão por não terem reciclado os copos plásticos das bebidas que haviam comprado numa cadeia de fast food.